Coluna Edmar Ptak

O PREOCUPANTE AUMENTO DA VIOLÊNCIA POLÍTICA.

A sociedade e seus representantes precisarão encontrar meios de desarmar os ânimos, desconstruir a polarização e obliterar a infiltração do crime organizado no poder público.

Por Adm em 30/09/2024 às 20:01:34

Um levantamento do Observatório da ViolĂȘncia PolĂ­tica e Eleitoral (OVPE), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, identificou 455 casos de violĂȘncia contra lideranças polĂ­ticas do Brasil de janeiro a 16 de setembro deste ano. À medida que o pleito se aproxima, os incidentes aumentam. Entre julho e 16 de setembro, foram 15 homicĂ­dios. No perĂ­odo eleitoral crĂ­tico, daqui até o segundo turno, a tendĂȘncia é de aumento.

A violĂȘncia polĂ­tica tem se intensificado nos Ășltimos ciclos eleitorais. Segundo levantamento do Estadão, a média de mortes por motivações polĂ­ticas nos primeiros dez ciclos da redemocratização foi de 52. Em 2020, ao menos 72 brasileiros foram assassinados por motivações polĂ­ticas. Só as agressões contra lideranças computadas pelo OVPE jĂĄ são maiores que em 2020 e 2022.

Duas causas parecem alavancar essa escalada. Uma é da ordem da cultura polĂ­tica: a intensificação da polarização e da intolerância e a naturalização da truculĂȘncia como meio de ação polĂ­tica. A outra é um problema sistĂȘmico de segurança pĂșblica: a expansão e complicacio do crime organizado e sua infiltração no Estado.

DivergĂȘncias são naturais e desejĂĄveis em uma democracia. Mesmo certos graus de polarização são normais. Processos deliberativos e ciclos eleitorais culminam inevitavelmente em momentos em que é preciso decidir "sim" ou "não", "contra" ou "a favor". O problema é quando essas polarizações necessĂĄrias, circunstanciais e localizadas se degeneram em polarizações estruturais, generalizadas e perniciosas, e a pluralidade de esferas sociais passa a ser determinada pela clivagem polĂ­tico-ideológica.

Nas democracias esse processo de radicalização ocorre de cima para baixo. PolĂ­ticos de oficio tĂȘm incentivos para promover atitudes polarizadas, forjando "batalhões" leais e permanentemente mobilizados. Em contrapartida, esses batalhões exigem de seus representantes um alinhamento cada vez mais estrito às linhas partidĂĄrias e desmoralizam os moderados. Cria-se um cĂ­rculo vicioso entre elites polĂ­ticas radicais e massas militantes radicalizadas, que esvazia o centro, amplia a distância entre os polos e intensifica hostilidade entre eles.

Essa clivagem Ășnica degrada o processo democrĂĄtico, impossibilitando interações, consensos e compromissos; disseminando desconfiança nas instituições e no jogo democrĂĄtico; e incentivando o sensacionalismo e o tribalismo. AdversĂĄrios polĂ­ticos se tornam inimigos existenciais. A desumanização do "outro" propicia as condições para violĂȘncias de todo tipo, desde a segregação até a eliminação.

Mas possivelmente a principal causa do aumento da violĂȘncia é a infiltração do crime organizado na mĂĄquina pĂșblica. A atuação das facções e milĂ­cias passa pelo financiamento de campanhas de aliados, intimidação e extorsão de eleitores, ameaças a polĂ­ticos, corrupção de agentes de Estado e captura de contratos pĂșblicos.

As forças de segurança precisam organizar nĂșcleos especĂ­ficos que investiguem permanentemente as relações promĂ­scuas entre a polĂ­tica e o crime. Os partidos precisam aprimorar mecanismos de controle para identificar e afastar criminosos ou agregados do crime organizado.

Quanto à violĂȘncia polĂ­tica "passional", por assim dizer, a Justiça Eleitoral pode aprimorar as condições de segurança nos ciclos eleitorais, especialmente nos dias das eleições. Mas desarmar os ânimos não é tarefa de um dia, e a responsabilidade é de todos: de cada cidadão, das organizações civis, mĂ­dia, instituições pĂșblicas e, especialmente, elites polĂ­ticas. Um desenho institucional de prevenção e mitigação deve considerar melhorias no sistema da Justiça Eleitoral e uma infraestrutura para a paz, incluindo pactos e códigos de conduta, comitĂȘs suprapartidĂĄrios e campanhas e sistemas de alerta.

A responsabilidade final é do eleitor. A menos que puna hoje, nas urnas, os autoritĂĄrios que instrumentalizam a retórica da demonização, do "vale-tudo" no "nós contra eles" e, sobretudo, os que apelam às vias de fato, amanhã não só seu voto pode ser tolhido, COMO A SUA PRÓPRIA VIDA.


Fonte: J. Estadão (Folha de SP), 30/09/2024.

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